“todo fascismo é sintoma de uma revolução que fracassou”
(Walter Benjamin)
Agradecimentos especiais para Paulo Pachá, Ivan Martins e Ludmila Gama por sugestões e críticas.

Manifestantes de direita no Texas. No cartaz os dizeres: “Eu sirvo um salvador ressuscitado Jesus Cristo!”
Uma “onda conservadora” existe atualmente no Brasil, e o Estado de São Paulo é o epicentro dessa onda. É no Estado mais rico do país onde o discurso mais violentamente antipetista (e anti-esquerda de maneira geral) é engendrado, e onde são mantidas relações carnais com o PSDB (o maior partido da direita brasileira) – São Paulo seria o “Tucanistão”. Nesse sentido, o território paulista parece um pouco com o Texas, famoso curral eleitoral conservador estadunidense.
Mas o pensamento crítico não é tão óbvio, “complicar” uma questão, segundo a etimologia da palavra, é deixar algo em volto em dobras, ou seja, quando nós complicamos um assunto estamos deixando-o menos plano, menos liso, eliminando a aparência de simplicidade e homogeneidade. Quando explicamos algo estamos tirando para fora das dobras. Ou seja, numa visão mais simplista da questão (mas não necessariamente errada) é fácil apontar como esse avanço do conservadorismo no Brasil parece estar diretamente relacionado com o avanço das igrejas neopentecostais no país. Esse diagnóstico é validado inclusive por políticos do campo da esquerda. E faz sentido quando lembramos de casos recentes: os domínios registrados na internet por Eduardo Cunha, a justificativa do projeto de lei para a redução da maioridade penal e a celebração de cultos evangélicos na Câmara Federal.
O cientista político André Singer parte dessa premissa para analisar essa questão; Singer acredita que as ideologias neopentecostais são convergentes com o neoliberalismo e o conservadorismo: produzem um forte discurso de ascensão individual, da redução dos espaços públicos, e são caracterizadas pelo conservadorismo moral. A Igreja Católica, Singer lembra, também passou por uma guinada conservadora em nosso país a partir do papa João Paulo II. E não devemos menosprezar o impacto de setores progressistas da Igreja, em especial a Teologia da Libertação, com sua “opção pelos pobres” e a busca do diálogo com movimentos sociais e teorias críticas, no cenário político brasileiro nos anos 70.
(André Singer discute o impacto das igrejas evangélicas na ascensão conservadora)
O avanço das Igrejas neopentecostais seria então a principal explicação para a onda conservadora? E São Paulo seria mesmo um ninho para os políticos tucanos? Uiran Silva e Fábio Morales mostraram detalhadamente o histórico do PT e do PSDB no Estado paulista e os embates de ambos os partidos com o malufismo. O atual cenário político teria sua origem histórica nesse contexto político-partidário pós-ditadura, com diferenças importantes entre região metropolitana da capital e o âmbito estadual. No âmbito da capital o PSDB representaria hoje o malufismo restaurado, enquanto o âmbito estadual seria ideologicamente menos radical. Dessa forma, as manifestações conservadoras recentes na capital seriam genealogicamente ligadas a uma tradição malufista.
Vladimir Safatle, analisando o “fenômeno Celso Russomanno” identifica o conservadorismo recente como um fenômeno novo, um filho bastardo do lulismo. Durante os governos Lula ocorreram tanto a criação de um enorme sistema de transferência de renda quanto a ascensão econômica de largas parcelas da população. Mas essa ascensão econômica não foi acompanhada por uma melhora dos serviços sociais consolidados: “Afora a importante expansão das universidades federais, ascensão significou poder pagar escola privada, plano de saúde privado, celular, eletrodomésticos e frequentar universidade privada. Ou seja, os direitos da cidadania foram traduzidos em direitos do consumidor.” Para a chamada nova classe média os direitos da cidadania foram traduzidos em direitos do consumidor.
(Vladimir Safatle no debate A Ascensão Conservadora em São Paulo)
O sociólogo Ruy Braga considera que a eleição do Hadadd para a prefeitura de São Paulo seria uma prova de que o estabelecimento de uma ligação com o conservadorismo tradicional paulistano não dá conta de explicar essa nova onda conservadora. E nem o advento das igrejas evangélicas é capaz de explicar nosso momento atual, pois a união entre os fiéis das diversas congregações é menor do que normalmente se imagina. Braga, tal como Safatle, enxerga a nova onda conservadora como uma “manifestação deformada de um estado de inquietação social com o atual modelo de desenvolvimento cuja raiz não está no modo de regulação lulista”. O sociólogo lembra que durante as administrações petistas ocorreu a “deterioração das condições de trabalho associada ao aumento do endividamento das famílias trabalhadoras”.
Safatle e Braga avaliam de forma semelhante a atual onda conservadora: a direita teria canalizado as insatisfações das camadas populares com o atual modelo de gestão petista. O problema teria sido criado durante o período lulista, ao promover a ascensão econômica de camadas da população ávidas pelo ingresso na cidadania via o consumo. Ao mesmo tempo, o governo frustrou essa mesma população: não conseguindo solucionar questões básicas de serviços públicos, e as adversidades que o refluxo desse modelo econômico causam à classe trabalhadora. Como resultado desse processo engendrado pela experiência petista na esfera federal, essa nova onda conservadora acaba portanto ganhando um rosto antipetista.
O filósofo Paulo Eduardo Arantes aponta outro aspecto dessa nova onda conservadora na classe trabalhadora, com o desejo de um Estado capaz de assegurar alguma segurança e ordem via uso ostensivo da força: “um poder soberano de polícia, enquanto paradigma de governo das crises, será objeto de uma verdadeira demanda popular. Como meses depois, a demanda por intervenção, qualquer intervenção, desde que alguma coisa seja feita. Se há algo que deveria de fato assustar na atual crise com inimigo difuso, é a antevisão igualmente embaçada de uma passagem ao ato de todo esse sentimento de impotência.” A esquerda tem como tarefa central, portanto, a defesa de uma agenda que represente uma alternativa – tanto ao esgotado modelo petista quanto ao projeto da direita.
É importante entendermos nosso momento atual como o resultado das condições concretas de lutas e conflitos. De outra forma, perdemos o aspecto ideológico dessas manifestações religiosas – corremos o risco de cair na conclusão que são os discursos tão somente que engendram a realidade. Não que o debate de ideias e o campo simbólico não importem, devemos operar a desconstrução desses discursos. Mas não adianta enfrentar o “fundamentalismo” e o conservadorismo no campo do discurso. É necessário compreender os elementos que permitem sua emergência.