Questionamentos sobre a perseguição a ativistas do Rio de Janeiro

Abaixo seguem referências factuais e considerações sobre a atuação policial e judiciária contra ativistas do Rio de Janeiro. Elas tem enfoque nos absurdos jurídicos, na ilegalidade, nas fragilidades argumentativas e no caráter de perseguição política por parte do Estado, ficando de fora aqui as operações midiáticas (que julgam e condenam por conta própria), diversos elementos de contexto (como a seletividade da justiça, menos disposta em combater assassinos que são funcionários públicos) e especificidades do caso (ademais, pouquíssimo conhecido). Espera-se que esse mínimo levantamento possa servir de contraponto a uma cultura antidemocrática generalizada na mídia e nos aparelhos de Estado, os quais tem atuado com indigência intelectual, desprezo à verdade e vontade de criminalização da contestação política. Estamos em um momento em que é preciso reafirmar noções mais elementares de justiça e de razão contra o arbítrio estatal e seus comparsas, que pairam como um perigo não apenas contra esses ativistas mas sobre todos nós. Todas as afirmações aqui pretendem ser amparadas pelos links. Convidamos os leitores a somarem informações e referências ao caso, bem como indicar possíveis imprecisões.

Sobre as prisões do dia 12 de julho.

-Nota da Anistia Internacional mostrando preocupação com as restrições ao direito de manifestação e reunião, bem como demandando o direito do exercício sem constrangimentos da advocacia. http://migre.me/kCI7S

-Nota da Justiça Global condena prisões realizadas no dia 12 e o caráter criminalizante e ilegal do Judiciário. http://migre.me/kCI9c

-Nota do Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro denunciando um estado de exceção e a apreensão de jornais e máscaras como provas de crime. http://migre.me/kCIa2

-Nota da OAB do Rio de Janeiro mostrando preocupação sobre as prisões realizadas no dia 12 de julho, ressaltando possível caráter intimidatório e observando violação de prerrogativas profissionais dos advogados que atuam em favor dos acusados. http://migre.me/kCIaF

-Em nota de 15 de julho, Associação Juízes para a Democracia aponta a irregularidade das prisões no tocante à falta da individualização das condutas e a não explicitação dos fatos que as legitimariam. A nota também aponta a prisão indiscriminada de advogados, violando prerrogativa da justiça.http://migre.me/kCIbI

-Em matéria veiculada pela OAB-RJ no dia 17 de julho, especialistas entendem a lógica das prisões como exercício de futorologia. http://migre.me/kCIbY

-Para Juarez Tavares, professor de direito penal da Uerj, as prisões “são incompatíveis com o código vigente”. http://migre.me/kCIcT

-Segundo o juiz João Batista Damasceno, prisões dessa forma só valeriam em estado de sítio e revelam que a polícia é “Mãe Dinah”. Para esse mesmo juiz, essas prisões não significaram prisão temporária, visando à apuração do fato cometido. Nem prisão preventiva, para proteção do processo, ou seja, das testemunhas e garantia da execução penal, caso o acusado seja condenado. Trata-se de prisão antecipada ao fato, que não se pode afirmar que aconteceria.” Também, os policiais fluminenses atuaram no Rio Grande do Sul com abuso de poder. http://migre.me/kCIds

-No dia 16 de julho, deputados federais entram com uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça contra o juiz responsável pelas prisões, Flavio Itabaiana Oliveira Nicolau. O documento acusa o juiz de arbitrariedade e abuso de autoridade: “Foram prisões cautelares destinadas a reprimir delitos imaginários…” O documento dos deputados aponta a ausência de evidências – o juiz se limita a afirmar, sem se preocupar com confirmações, de que há indícios de planejamento de atos violentos, sem especificar quais seriam os indícios ou os atos. Além da falta de evidências, o documento acusa a não individualização das condutas. http://migre.me/kCIf5

-Vice presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RJ, e advogado da advogada Eloisa Samy critica a prisão de sua cliente, apontando a criminalização do exercício da advocacia. http://migre.me/kCIft

-Quando das prisões do dia 12 de julho, a polícia apreendeu uma arma na casa de uma ativista adolescente. A arma, entretanto, não pertencia à ativista mas ao seu pai, que tem licença para o porte, muito embora esta estivesse expirada. Várias matérias da imprensa não procuraram esclarecer o caso e manipularam a informação sobre a arma, que não pertencia a nenhum ativista, e expuseram em suas manchetes sua apreensão como a de um dos instrumentos pertencentes ao grupo. A arma então soou como evidência para apontar o caráter armado da “quadrilha” de manifestantes Segundo o juiz João Batista Damasceno, a própria apreensão da arma foi irregular: A polícia tratou o adolescente como se ele fosse o dono da casa. E diante da demonstração de que seu pai era o detentor de porte legal de arma, lavrou-se um registro de omissão de cautela. É uma forma de justificar a apreensão de uma arma que não poderia ser apreendida. A polícia buscou dar um aparato legal à apreensão, sob o fundamento de que aquele que tem a posse legal da arma, não a guardou adequadamente, tornando-a passível de apreensão. Mas isto não foi levado ao conhecimento da sociedade.” http://migre.me/kCIgi

– Materiais cuja aquisição é plenamente legal e que de forma alguma seriam indícios de ação violenta, como máscaras, protetores e celulares foram apreendidos e exibidos como indícios. Nesse bojo, até a presença de impressos foi criminalizada. O aberrante da situação depreende-se da própria fala do chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso: “Apreendemos jornais, bandeiras, e outros materiais ditos inofensivos porque ajudam a fortalecer a vinculação entre as pessoas que foram presas. Alguém que tem um mero jornal em casa pode ter participado de outra ação violenta e isso será deixado mais claro em cinco dias”. http://migre.me/kCIgT Também, a polícia mencionou ter provas de que Sininho comprou fogos de artifício, o que tampouco é crime. http://migre.me/kCIhA

Quando das prisões efetuadas no dia 12, a polícia alega ter encontrado explosivos e materiais para coquetéis molotov nas residências de dois dos ativistas. A defesa alega que esses materiais foram plantados pela polícia e esta alegação tem amplo apoio em vários precedentes. Além de várias denúncias e imagens contundentes de fraude policial de flagrantes durante prisões desde o ano passado, é válido levantar aqui o caso de um outro preso político, este de São Paulo, Fabio Hideki. Quando abordado por policiais no dia 23 de junho de 2014, durante manifestação, houve filmagens e diversas testemunhas oculares de sua revista. Nada foi encontrado com ele e em sua mochila mas ainda assim Fabio Hideki foi preso. Na delegacia, os policiais apresentaram um coquetel molotov que estaria com Fabio. Apesar das várias provas e testemunhas da inocência de Fabio Hideki, ele continua preso http://migre.me/kCIhS. Existe, portanto, um histórico de falsificação de evidências que precisa ser levado em conta. http://migre.me/kCIib

– O jornal A Nova Democracia foi impedido de participar da coletiva de imprensa sobre as prisões, enquanto as empresas tradicionais de mídia tinham acesso normal. http://migre.me/kCIiG

– Houve vários questionamentos sobre o conceito jurídico de quadrilha e à sua aplicação para essas prisões. Documento de cientistas sociais brasileiros sobre o caso: http://migre.me/kCIji .

Sobre nova decretação de prisões, o inquérito e o processo.

-O inquérito de duas mil páginas contra 23 manifestantes levou menos de duas horas para virar processo.http://migre.me/kJAIG

-Materiais como jornais, revistas, panfletos, cartazes, camisetas foram apreendidos pela polícia, indicando mais uma vez criminalização de atividades políticas plenamente legais. A apreensão também inclui coisas como bandana do Nirvana e camiseta de caveira. http://migre.me/kJAJr

-Reportagem da Época que defende a qualidade do trabalho policial diz, mesmo sem admitir caráter “político” do inquérito, que ele se ocupa muito em falar de coletivos políticos e organizações de protestos onde não há registro de crime – o que mais uma vez aponta para o engajamento policial na direção de atividades legalmente amparadas http://migre.me/kJC7Y. Ao todo, 80 coletivos políticos são citados no inquérito http://migre.me/kJC8K

-Mesmo para o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello, um conservador que justifica o golpe de 1964 http://migre.me/kJAK7, a decretação das prisões foi uma “extravagância”: http://migre.me/kJAM9

-Em artigo publicado no jornal O Globo no dia 28 de julho, Marcelo Cerqueira questiona várias debilidades do processo, inclusive a ideia de formação de quadrilha: As acusações abusam do tipo penal “crime de quadrilha” para indiciar ou denunciar cidadãos quando não encontram para eles um efetivo tipo penal descrito nas leis. O crime de quadrilha ou bando, abrigado no art. 288 do Código Penal na parte que trata dos “Crimes contra a paz pública”, pune a associação “de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”. Esse tipo penal é uma exceção à dogmática do Direito Penal quando admite que um “ato preparatório” constitui-se em crime autônomo. Com tristeza, tenho verificado que, à falta de uma acusação específica, a polícia e o Ministério Público têm indiciado ou denunciado cidadãos que rigorosamente não praticaram concretamente qualquer delito punível (…). Juízes decidem por induções e presunções e contaminam suas decisões por premissas “morais” e preconceituosas; a hipótese substitui os fatos e impede a ampla defesa.” http://migre.me/kJAPf

-Parte do texto liberado (primeiramente para a imprensa) do processo permite ver que o inquérito é marcado por argumentos circulares, suposições atiradas ao léu, saltos lógicos e estilo de relatório de polícia política.http://migre.me/kJARE

-Os advogados dos ativistas acusados não tiveram acesso ao processo, o que é ilegal mesmo quando o processo corre em sigilo. Segundo ex-desembargador do TJ-SP trata-se de “ilegalidade escandalosa”. É ilegal também o vazamento de informações do processo sigiloso à imprensa http://migre.me/kJAWJ, que a cada dia conesegue mais e mais acessos sem ser repreendida. A falta de acesso ao inquérito atrapalhou o pedido de habeas corpus já que os advogados não sabiam exatamente do que seus clientes estavam sendo acusados. http://migre.me/kJB0J Mesmo o desembargador ficou dias esperando o envio do inquérito por parte da delegacia, que não o entregava enquanto informações eram vazadas para a imprensa. http://migre.me/kJB4D

-Dez telefones de advogados foram grampeados e suas conversas com clientes foram utilizadas na investigação, o que é ilegal http://migre.me/kJB7v. Segundo presidente da OAB-RJ, há muitos anos não se via tamanha violência contra o exercício da advocacia e trata-se de procedimento próprio de um estado de exceção. http://migre.me/kJBch

-O direito de advocacia também foi ferido em relação à advogada e uma das acusadas, Eloisa Samy. A OAB assumiu seu caso e, segundo presidente da OAB- RJ, especialistas não verificaram nenhuma prática de ilegalidade no exercício de advocacia dela, não sendo nem mesmo claro os crimes que são imputados a ela. http://migre.me/kJBiF

– A Justiça autorizou a quebra de sigilo de 20 páginas do Facebook e do perfil de 52 pessoas, mas o Facebook não atendeu satisfatoriamente à polícia. O juiz Flavio Itabaiana, então, determinou que o Facebook estaria sujeito a “pena de bloqueio e congelamento de domínio”. De acordo com Ronaldo Lemos, “um dos maiores especialistas em direito da internet no Brasil”, essa pena levantada pelo juiz “não tem qualquer previsão legal”. Lemos analisou o inquérito e viu que a forma como as autoridades conduziram o assunto ferem o Marco Civil da Internet. A principal delas é que pessoas que não eram suspeitas de atos ilícitos tiveram pedidos de quebra de sigilo aceitos. Dos 52 nomes listados pela polícia, apenas 6 se tornaram réus. http://migre.me/kLBDA O pedido incluía pedido de senhas, o que nos remete à possibilidade de falsificação de provas. http://migre.me/kLBFe. Sobre implicações da quebra de sigilo no facebook, http://migre.me/kLBBI

-Testemunhas chave do processo são marcadas por demência e ressentimento. Uma delas acusa ameaça por parte de delegada. http://migre.me/kJBmO http://migre.me/kJBox http://migre.me/kJBpI http://migre.me/kJBsl

-O inquérito, em delírio, cita um curso de guerrilha e terror urbano realizado em Cuba e na Rússia. http://migre.me/kJBvF

-Mostra de debilidade do inquérito é que um dos suspeitos é Mikhail Bakunin, anarquista russo do século XIX. http://migre.me/kJBxA A delegada nega que Bakunin tenha sido considerado suspeito mas a uma ativista de fato a polícia indagou sobre ele. Ela respondeu que não o conhecia. http://migre.me/kJBB3

-Segundo jurista ouvido pelo O Dia, o pedido de revogação do habeas corpus do dia 29 de julho é frágil porque ninguém pode ser preso por ter intenção de cometer crimes. E as pessoas acusadas não estão vinculadas a essas intenções por estarem detidas na ocasião”. Além disso, o pedido de revogação do habeas corpus se apoia em reportagem do jornal O Globo, evidenciando mais uma vez como judiciário e mídia se retroalimentam em um processo espetacularizado. http://migre.me/kJC4S

-No dia 31 de julho, dezenas de juristas lançaram um manifesto contra a atuação policial e judiciária, destacando as inúmeras ilegalidades do processo contra os 23 ativistas e seu caráter de restrição às liberdades políticas. http://migre.me/kLC2Z

Sobre Wesley Carvalho

Professor e historiador.
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