* Dando continuidade ao dossiê “E agora, PT?”, texto de Eduardo Baker, advogado da Justiça Global e baixista do El Efecto, escrito a pedido do blog Capitalismo em Desencanto.
Vejamos, primeiro, alguns dos últimos passos e apontamentos do governo federal em 2014 na área. A última notícia do ano de 2014 presente na página oficial da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República anuncia a realização das Conferências Nacionais dos Direitos Humanos em dezembro de 2015. Estas incluem quatro conferências nacionais temáticas e 12ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. Sua edição anterior aconteceu em 2008, durante os debates sobre a atualização e reforma do Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH) I e II, e foi o principal momento de participação da sociedade na construção do que poderia ser a política de direitos humanos do governo federal.
Diversos movimentos sociais, organização não-governamentais, grupos de pesquisa e outros agrupamentos participaram do debate e contribuíram na construção do PNDH-3, apresentado pelo Governo Federal no ano seguinte, ainda na gestão do ex-presidente Lula. Como bem sabemos, o programa foi alvo de ataques pesados por incluir temas polêmicos – como a legalização aborto e a regulamentação da imprensa – e rapidamente alterado pelo governo, em dois momentos consecutivos.
O PNDH pretendia ser a linha mestra da política de direitos humanos. Não só da Secretaria de Direitos Humanos, mas do governo federal na sua totalidade. Suas diretrizes deveriam, em tese, informar e influenciar a formulação de políticas públicas por todos os ministérios. Um guia para uma gestão estatal preocupada com os direitos humanos. Esta fala continuou presente na passagem do Governo Lula para o Governo Dilma.
O PNDH-3, porém, nunca chegou a cumprir este papel. Relegado para segundo plano e capitaneado por uma secretaria com pouquíssimo poder de pressão junto aos ministérios “de verdade”, a grande promessa de uma política nacional unificada e coerente de direitos humanos desapareceu nas práticas estatais. O comitê criado para monitorar sua implementação em 2010, foi suspenso em 2011, já na primeira gestão Dilma. O PNDH permaneceu apenas como uma cartada a ser dada perante os organismos internacionais, como no caso do Conselho de Direitos Humanos da ONU, quando o Brasil, em um relatório apresentado em 2012, afirmou ser o programa o “roteiro para a atuação do Estado na esfera dos direitos humanos”, o que apareceria “em ações governamentais programáticas sob uma perspectiva transversal”.
No ano seguinte, 2013, presenciamos o Caso Marco Feliciano. Uma comissão tradicionalmente presidida por parlamentares da chamada esquerda, com presença maciça de membros do PT, permaneceu por aproximadamente nove meses nas mãos do empresário e pastor neopentecostal da Catedral do Avivamento, que chegou a aprovar a “cura gay” antes de deixar a presidência, que voltou para o PT na figura do Deputado Federal Assis Couto, derrotando Jair Bolsonaro por apenas dois votos de diferença.
Ao mesmo tempo, a Secretaria de Direitos Humanos mantinha uma atuação tímida sob o comando da atual Deputada Federal Maria do Rosário. Optando por trabalhar temas menos controvertidos para o governo federal, um dos poucos momentos em que a Secretaria participou mais ativamente do debate público foi no Caso Amarildo, o que não se reverteu em um trabalho mais extenso e intenso na temática da segurança pública e da violência policial.
No mesmo ano, Paulo Vannuchi, ex-secretário de Direitos Humanos da última gestão Lula e um dos articuladores do PNDH-3, foi eleito para compor a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. O Brasil não estava em muitos bons termos com o órgão após a decisão da Comissão pedindo pela suspensão das obras de Belo Monte, ainda que a entidade internacional tenha se retratado e rebaixado sua pauta. Vannuchi não representa o governo federal neste espaço, porém o investimento pesado do governo brasileiro em viabilizar sua candidatura – incluindo visitas a diversos países e representações diplomáticas para apresentar e defender o então candidato – parece indicar que a Comissão Interamericana e Corte Interamericana podem ser um espaço importante para se prestar atenção nos próximos anos. Não esqueçamos que a sentença no Caso Araguaia pela Corte Interamericana continua no radar do governo federal e do tribunal internacional.
No ano passado, a então Ministra Maria do Rosário sai da Secretaria de Direitos Humanos para se concentrar na sua campanha eleitoral em abril e a pasta é assumida por Ideli Salvatti, anteriormente à frente da Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela articulação do governo com o Congresso, ex-Ministra da Pesca e Aquicultura e líder do governo no Congresso durante o governo Lula. Um perfil um pouco diferente do que poderíamos esperar de uma ministra de direitos humanos. Salvatti foi confirmada para permanecer no cargo no dia 31 de dezembro de 2014.
Parece difícil imaginar que a política de direitos humanos dos próximos quatro anos caminhe em uma direção diferente. O centralismo não tão democrático que parece ser uma das marcas da gestão Dilma também se repete na área de direitos humanos. A abertura do governo para participação efetiva de movimentos e organizações na construção de uma política de direitos humanos combativa e efetiva parece quase inexistente.
Durante seu discurso na 20ª Premiação dos Direitos Humanos, a presidente Dilma destacou alguns dos programas federais que dialogariam com o tema dos direitos humanos: Bolsa Família; Minha Casa, Minha Vida; Mais Médicos; a criação de vagas no Pronatec; Programa Viver Sem Limites, dentre outros. Curiosamente, ou não, quase nenhum destes conta com participação real da Secretaria de Direitos Humanos.
Não parece que possamos esperar do governo federal uma política pública de direitos humanos visando atacar os problemas principais nesta área, como violência policial, povos tradicionais e direito à cidade – muito menos que ele irá construi-la de baixo para cima. Agora, se a abertura eles não criam por lá, isto não retira a nossa responsabilidade de tentar força-la por aqui.