Ao mestre o castigo

“Maldito tacão de ferro! Mais cedo do que espera, será arrancado da humanidade extenuada!”

– Jack London

Desqualificação parece ser o grande mote para tentar liquidar os movimentos sociais por parte da imprensa empresarial, beneficiária direta dos insumos da prefeitura. Tanto para a prefeitura quanto para o governo do estado do Rio de Janeiro (chefe direto das forças policiais) o vandalismo é uma marca quase que inerente a qualquer organização política mais eficiente ou que conte com o apoio de parte significativa da população. Por isso, a etiqueta já transladou pelos  bombeiros, pelos professores, pelos movimentos de ocupação próximos a sua residência que exigiam o seu impeachment, por “organizações internacionais” (seja lá o que isso signifique), aos trabalhadores aviltados pela Supervia, aos Black Blocs e agora retorna aos professores. Não bastassem as falsas acusações e edição de falas e imagens, agora também somos chamados de burros, incapazes de compreender o plano de carreira empurrado goela abaixo e de massa de manobra de partidos políticos.

Este espancamento moral, contudo, é um segundo passo. As imagens editadas para demonstrar a fonte da violência como oriunda dos manifestantes – como reação da 1385457_10200661375276895_1130288402_npolícia e não como uma ação violenta de dispersão e dissuasão por parte destes militares é outra parte do processo. O primeiro passo, obviamente é a violência direta contra os corpos, a violação da dignidade. Pulmão contra o gás, garganta que grita nua contra pimenta, cabeça contra cassetete, carne contra elastômero. Sim, elastômero; nada de “borracha”, que tende a suavizar o impacto dos disparos. Nade de “não-letais” nos equipamentos das polícias: são apenas menos letais, como alguns resultados das jornadas de junho atestaram.

É por isso que não há confronto. 1378220_749487711743760_1181934023_nQual a resistência que nossas membranas e músculos têm a oferecer contra estes equipamentos?  Qual a possibilidade de enfrentamento contra pessoas quotidiana e militarmente treinadas para o embate? Ha diversas fotos da tática Black Bloc em ação, (re)direcionando a polícia para que os professores pudessem se (re)agrupar. Onde estão as imagens de professores agredindo os policiais? E ainda que existissem, deveríamos ver a ilegalidade e o desrespeito sendo exercidos sobre nós calados, quietos? Há covardia, há massacre, há violação de direitos, por parte de um braço armado do Estado. O desnível da correlação de forças é óbvio e gritante. A imprensa internacional noticia o massacre, de forma diferente do que os oligopólios brasileiros o fazem.

"A policia foi encurralada diversas vezes."

“A policia foi encurralada diversas vezes.”

Escrevo este texto estando do lado de fora de toda a situação, de fora do país e tudo é muito triste e muito desesperador. Ser professor é um desafio cada vez maior, e há uma tentativa da opinião pública de jogar a população contra nós (como tentaram fazer com os bombeiros, bancários ou qualquer outra categoria mais resistente). O acúmulo de desafios não são os reativos “No meu tempo era melhor!” ou “Os alunos estão cada vez mais mal-educados!”. A progressiva dificuldade está na retirada dos poucos direitos que temos, na despolitização da política, na despedagogização da pedagogia, na progressiva morte da criatividade do espaço da sala de aula… Há cada vez mais planos de aula sendo comprados pelos governos, e os professores seriam técnicos para reproduzir estes modelos. Padroniza-se, retira-se a complexidade e o pulsar da criação do diferente, tão essencial para uma educação que seja libertadora. Tortura-se a autonomia e a possibilidade de inovação, enquanto os corpos agonizam lacrimejantes, por gases, por empatia, por desespero, por consciência…

Outros grupos profissionais apoiam a valorização dos professores.

Outros grupos profissionais apoiam a valorização dos professores.

Se a educação atualmente está em crise, acreditem, sempre pode piorar. O “fundo do poço” na verdade costuma ser o próprio limite criativo. O interesse nos cursos de licenciatura – que são os cursos de formação de professores – cai vertiginosamente, seja nos vestibulares seja no que diz respeito à evasão dentro destes mesmos cursos. Isso para uma categoria que conta com um enorme déficit de profissionais  e que tende a aumentar considerando a evasão dos que já estão no sistema público. Não por acaso em ranking recente o Brasil ficou com o penúltimo lugar em termos de valorização dos professores. Agora, diante dos que perseveram na profissão perfilam-se, além de todos os desafiantes de costume, a tropa de choque, a imprensa empresarial, as fardas, uma parte da opinião pública que compra estes discursos. E ouvimos risos, chacotas, as desculpas, sentimos os dedos apontados quando viramos e, finalmente, a indagação de quando sairá o reajuste que a greve conseguiu, mas que na boca destas pessoas é “o aumento que o governador/prefeito deu”.

A esquerda, a direita e ao fundo o riso e a satisfação de um sadismo bem nutrido.

A esquerda, a direita e ao fundo o riso e a satisfação de um sadismo bem nutrido.

E isso tudo machuca, isso tudo dissolve muito e muitos. Não sou capaz de condenar os que escolhem seguir outros caminhos, que optem por outras profissões depois de já serem professores. Mas não há desculpa quando se vê os colegas de profissão sendo espancados e humilhados como na(s) última(s) semana(s). O espetáculo da crueldade e do sadismo; os risos e piadas com cassetetes quebrados; os objetos jogados contra os professores dos telhados da Camara; as táticas de guerra contra professores; as tão quotidianas provas forjadas (vídeos-exemplos 1, 2 e 3, com os policias agindo com a naturalidade típica de quem já fez aquilo mais de uma vez e não tem medo de serem denunciados); os infiltrados até mesmo em assembleias da categoria (vídeo abaixo); entre tantas outras coisas não podem ser tomados como algo qualquer. É nitidamente uma declaração de autoritarismo, de desfazer os movimentos sociais contrários utilizando todos os meios disponíveis.

Estes elementos compõem a rotina do insustentável.

Bombeiros, os próprios policiais, os professores, os sindicatos. A decisão parece ser: se é coletivo, se é organizado e se tem força, é urgente sua difamação e sua dissolução. Pela força da caneta, pela pressão das ilhas de edição, pelos cassetetes e elastômero.

A desmilitarização da polícia se torna cada vez mais evidente e necessária. O formato de polícia civil atual, contudo, também está longe de ser ideal. Já há uma PEC  (Proposta de Emenda à Constituição), chamada de PEC 51 que, se aprovada, iniciará o debate de transformação da polícia, mas que obrigatoriamente irá desmilitarizá-las objetivando a garantia de direitos. Segundo a mesma PEC, cada estado (mais o Distrito Federal) será autônomo para fazer esta reorganização, e haveria uma “carreira única” para os profissionais (evitando as distorções salariais) e as ouvidorias seriam órgãos externos. Caso haja interesse, o texto integral da PEC 51 está disponível aqui. Ela foi protocolada em 24/09/2013, apresentada pelo pré-candidato a governador do Rio de Janeiro e atual senado Lindbergh Farias (PT-RJ), elaborada em conjunto com o antropólogo Luiz Eduardo Soares e atualmente se encontra na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Longe de higienizar o PT pela situação atual, devemos lembrar que o partido compõe a base aliada tanto de Paes quanto de Cabral, e que o mesmo também controla estados cujas forcas policiais tem cometido violações diversas, como os casos de  Tarso Genro no Rio Grande do Sul, Agnelo Queiróz no DF e Jacques Wagner na Bahia.

A PEC 51 é um passo importante e que deve ser amplamente discutido pela sociedade, para que o deboche do policial à professora seja cada vez mais uma caricatura e menos uma reprodução do processo de aniquilação da humanidade.

Se você não sabe do que se trata tudo o que falamos até agora, mesmo com todas estas imagens, segue um curta sobre a barbárie que é obrigatório.

Abaixo, uma seleção (feita por mim e pela Mariana Bedran) de imagens registradas nestes dias, tao sombrios, tao terríveis e tao prenhes de solidariedade e da consequente esperança.sem_titulo-1 - frm20131001126 foto2_2Brazil Teachers Strike Câmara do Rio aprova plano de carreira de professores GREVE DE PROFESSORES NO RIO DE JANEIR 1385051_609257642459539_1315325513_n 1383808_621486207873837_1179684349_n 1381316_218384091656949_2110737200_n 1380061_582694945129670_1193615976_n 1378633_533049576773724_1089684270_n 1377179_182207015302082_1587045388_n 1377160_533049643440384_991015183_n 1377060_1421735608038689_1798362911_n 1238910_525894464155902_178036349_n 1236700_527077044037644_65368043_n 1233557_525906310821384_1523842380_n 996807_527090227369659_2105708663_n 993732_231985240292962_1058704333_n 935973_533049526773729_1335563386_n 935954_525906324154716_1741830938_n 579122_612917485427221_1596109467_n

548467_3567083393077_731419110_n 25924_612066278843724_1523274330_n 14148_525906414154707_1441879028_n 9251_525901064155242_281615159_n A demonstrator kicks an entrance of the Municipal Chamber during a teacher's strike in Rio de Janeiro BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-TEACHERS-PROTEST BRAZIL-TEACHERS-PROTEST BRAZIL-TEACHERS-PROTESTBRAZIL-TEACHERS-PROTEST BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-PROTEST-TEACHERS-STRIKE BRAZIL-TEACHERS-PROTEST 000_mvd6567675

Sobre Renato Silva

nao fica ninguem. Professor de Historia, Flamenguista e suburbano.
Esse post foi publicado em Educação, Política, Rio de Janeiro e marcado , , , , , , , . Guardar link permanente.

Uma resposta para Ao mestre o castigo

  1. Pingback: Entendendo o plano de carreira proposto pela Prefeitura do Rio de Janeiro | Capitalismo em desencanto

Comentários