Tropa de elite do neoliberalismo (1): a “nova” direita brasileira e suas conexões transnacionais

“Acredito que o verdadeiro coração do conservadorismo
é o libertarianismo”
Ronald Reagani

Convocação do Portal UOL para o ato do dia 12 de abril.

Convocação do Portal UOL para o ato do dia 12 de abril.

Em 2013, assistimos a repetidas tentativas de Veja e outros meios midiáticos de construir uma liderança de direita crível durante os protestos de junho. Foi um tremendo fiasco. Desde o início deste ano, no entanto, e principalmente com o sucesso da manifestação do dia 15 de março, movimentos apresentados como “espontâneos” em pouco tempo já contavam com sites profissionais e grande inserção na mídia.

Chequer no palanque de Aécio

Chequer no palanque de Aécio

No dia seguinte à propaganda em forma de entrevista de Rogério Chequer no programa Roda Viva, o blog “Tijolaço” revelou que a principal figura pública do “Vem pra Rua” era sócio de uma gestora de fundos de investimento nos EUA, junto com um dos maiores bilionários do mundo. Além disso, o mesmo site trouxe à tona uma lista relacionada à empresa de inteligência Stratfor, conhecida como “shadow CIA” (a CIA das sombras) que incluía o nome de Rogério.ii

Chequer não escondia sua proximidade com o PSDB, embora fosse discreto sobre a contribuição de financiadores como o dono da Cosan Alimentos, Colin Buterfield (um dos mais engajados empresários na campanha de Aécio em 2014). Alegando sempre a ausência de recursos e grandes financiadores (embora tenham custeado caminhões de som, segurança privada e spams de whatsapp chamando para suas ações), os grupos responderam as acusações com ironia, distribuindo entre seus membros carteirinas com a frase “eu sou agente da CIA”.

Soube-se também que várias figuras que participam de agrupamentos de cunho neoliberal, como Fábio Osterman, coordenador do Movimento Brasil Livre, são ligados a um think-tank (um centro de pensamento e elaboração estratégica) chamado Atlas Network.iii As revelações que surgem sobre as conexões internacionais desses “movimentos” têm levado a muitas perguntas e especulações.

Essas breves notas, divididas em três partes, visam refletir sobre algumas dessas perguntas.

As teses governistas

SUSPEITA: Que a CIA esteja coordenando a Campanha pelo enfraquecimento dos governos da América do Sul "não alinhados", tal como fizeram para instalar as Ditaturas Militar nos anos 60. A "Orquestra é completa!".Em primeiro lugar, é preciso limpar o terreno mostrando como uma versão muito difundida por setores das hostes governistas carece de credibilidade. Em artigo publicado em novembro de 2014 e muito compartilhado nos últimos meses, o jornalista e engenheiro estadounidense F. William Engdall defende a idéia de que estaria em curso um programa americano de desestabilização contra a presidente Dilma Rousseff. Mesclando informações verdadeiras com especulações estapafúrdias, o autor defende que o motivo para a ação da CIA seria o enfrentamento que o governo brasileiro estaria promovendo contra os grandes interesses estrangeiros, notadamente norte-americanos, seja pela entrada do Brasil em iniciativas como o Banco dos Brics, seja na defesa da Petrobrás no mercado internacional.

Engdall não apenas exagera enormemente o grau de contrariedade que alguns projetos do governo brasileiro estariam gerando, como coloca entre os motivos para a atuação dos EUA para derrubar Dilma programas como o Bolsa Família – como se programas de gotejamento social aliadas à perda de direitos universais não fossem recomendações do próprio Banco Mundial!

O artigo chegava a sugerir que o Movimento Passe Livre (MPL), que liderou as primeiras manifestações de junho de 2013 em São Paulo, seria parte desse movimento coordenado por agências norte-americanas de inteligência para destruir os governos “inimigos do Império”. Na mesma linha, diversos outros defensores dos governos petistas compararam o cenário de 2014 com aquele de 50 anos atrás.

É verdade que não é necessário haver uma ameaça revolucionária real para o patrocínio de golpes no Brasil, e disso 1964 é exemplo cabal. Mas Dilma não é Jango, a não ser como pastiche, e um bem desbotado. Nos anos 1960 havia uma conjuntura histórica que possibilitava que determinadas contradições do próprio regime político abrissem caminhos reais para a concretização de propostas reformistas – algo que no Brasil, país de formação capitalista tardia e marcada por transições pactuadas, era de um ineditismo que amedrontava as “Reginas Duartes” da época. (Voltaremos a essa questão na parte 2 deste artigo).

Na atual conjuntura, no entanto, o capitalismo não abre espaço para reformas, nem para a expansão de direitos sociais universais, restando aos setores oriundos da esquerda que pretendem administrar um governo capitalista a defesa, no dizer de um historiador trotskista, de um “reformismo quase sem reformas”.iv Visões como a de Engdall, em suma, só servem para mistificar o caráter da ação da oposição de direita ao governo, já que partem de um engano grosseiro do que é o próprio governo.

A extrema-direita e o conspiracionismo

Por seu turno, a crença em teorias conspiratórias é um traço constitutivo dessa nova (velha?) direita. Não é de hoje que o conspiracionismo é uma ideologia tipicamente da direita, já que, por excelência, nega ou obscurece o conflito social. A política, nesse pensamento, é apresentada como mera manipulação orquestrada por “forças subterrâneas” de “subversivos”, “comunistas”, “terroristas” etc.

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De acordo com levantamento feito pelos professores Pablo Ortellado, da USP, e Esther Solano, da Unifesp, pelo menos metade dos participantes do protesto do dia 12 de abril disse acreditar em teorias conspiratórias e se informar por correntes de whatsapp e grupos de facebook, nutrindo por esses meios um alto grau de confiança. Nesses espaços, se difunde que “o PCC é o braço armado do PT”, que “o filho de Lula é dono da Friboi”, e, a pérola das pérolas, que “o Foro de São Paulo está implantando uma ditadura comunista-bolivariana-castrista no Brasil”.

MBL_exigencias da marcha da liberdadeA obsessão oficial de todos esses grupos pelo Foro de São Paulo, um heterogêneo e oficialesco encontro de partidos da base dos governos considerados progressistas na América Latina – com influência nula sobre os movimentos sociais mais ativos no Brasil – além revelar seus fortes traços paranóicos, remete novamente às conexões transnacionais da nova direita, já que encontramos o alarmismo perante o Foro de São Paulo presente na extrema-direita dos EUA.

Foi aí, no coração do capitalismo internacional, que viveu-se uma forte renovação da militância direitista ao longo dos anos 1970, a qual culminou com a votação acachapante de 1980 em Ronald Reagan. A união entre a direita cristã e a direita neoliberal, que teve seu crescimento impulsionado pelos efeitos de uma crise econômica (alta da inflação, desemprego) seria fatal não apenas para o projeto de reeleição do democrata Jimmy Carter: marcaria o surgimento de uma nova forma de política pela direita, lançando um paradigma internacional para a mesma.

O conspiracionismo marca profundamente essa nova direita nos EUA, visceralmente nacionalista. As idéias conspiracionistas eram populares entre os membros de diversas entidades de extrema-direita como a John Birch Society, que, numa campanha sintomaticamente intitulada “Get US Out”, já em 1959, defendia a retirada dos EUA da ONU, “alegando que a organização [ONU] ambicionava a construção de um governo único e universal, comprometendo assim a soberania do Estado e da nação norte-americana”, nas palavras da historiadora Tatiana Poggi.v Muitas dessas teorias têm caráter fortemente anti-semita, mas o elemento consensual entre elas é mesmo o anti-comunismo e o anti-marxismo.

"This is a Republic. Not a democracy."

Esses aí são bem diretos: democracia não.

"Fight terrorism. Get US out of the United Nations."

E a ONU achando que ia enganar eles…

Entre os diversos grupos da extrema-direita internacional que denunciam o Foro de São Paulo, caracterizando-o como uma “organização terrorista internacional”, encontramos o instituto Lyndon LaRouche, que tem uma versão própria sobre o que seria o Foro; e Constantine Menges, membro do ultra-conservador Hudson Institute e ex-funcionário da administração Reagan que durante as eleições de 2002 escreveu artigos no Washington Post acusando Lula de ser terrorista.

"Know the history of the São Paulo Forum, the Most Powerful Political Organization in Latin America."

Carvalho tem uma interlocução pública com Menges: http://www.olavodecarvalho.org/traducoes/carta_menges.htm

Mas a entidade que mais concentra esforços em combater a suposta agenda oculta do Foro é mesmo o Inter-american Institute, criado em 2009 e presidido por Olavo de Carvalho, que em 2013 lançou um especial sobre o Foro. Note-se, no entanto, que essas teorias são compartilhadas tanto pelos setores mais tradicionalistas como Carvalho como pelos grupos neoliberais, como se pode ver no programa do MBL.

Na próxima parte deste artigo: a direita transnacional, ontem e hoje.

i REAGAN, Ronald. In KLAUSNER, Manuel. Inside Ronald Reagan.A Reason Interview. Julho de 1975. (http://reason.com/archives/1975/07/01/inside-ronald-reagan).

ii Seu atual empreendimento é uma consultoria especializada em comunicação que tem em sua lista de “personalidades inspiradoras” um ex-comandante do GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) de São Paulo, um ex-presidente da Coca-Cola e Otávio Mesquita.

iv ARCARY, Valerio. Um reformismo quase sem reformas. Uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira. São Paulo: Editora Sundermann, 2011.

v POGGI, Tatiana. “Faces do extremo. Uma análise do neofascismo nos Estados Unidos da América, 1970-2010”. Tese de doutorado. Niterói/UFF, 2012. p.148.

Sobre Rejane Carol

Rejane Carol é historiadora, carioca de Osasco e internacionalista.
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