“Acredito que o verdadeiro coração do conservadorismo
é o libertarianismo”
Ronald Reagani
Em 2013, assistimos a repetidas tentativas de Veja e outros meios midiáticos de construir uma liderança de direita crível durante os protestos de junho. Foi um tremendo fiasco. Desde o início deste ano, no entanto, e principalmente com o sucesso da manifestação do dia 15 de março, movimentos apresentados como “espontâneos” em pouco tempo já contavam com sites profissionais e grande inserção na mídia.
No dia seguinte à propaganda em forma de entrevista de Rogério Chequer no programa Roda Viva, o blog “Tijolaço” revelou que a principal figura pública do “Vem pra Rua” era sócio de uma gestora de fundos de investimento nos EUA, junto com um dos maiores bilionários do mundo. Além disso, o mesmo site trouxe à tona uma lista relacionada à empresa de inteligência Stratfor, conhecida como “shadow CIA” (a CIA das sombras) que incluía o nome de Rogério.ii
Chequer não escondia sua proximidade com o PSDB, embora fosse discreto sobre a contribuição de financiadores como o dono da Cosan Alimentos, Colin Buterfield (um dos mais engajados empresários na campanha de Aécio em 2014). Alegando sempre a ausência de recursos e grandes financiadores (embora tenham custeado caminhões de som, segurança privada e spams de whatsapp chamando para suas ações), os grupos responderam as acusações com ironia, distribuindo entre seus membros carteirinas com a frase “eu sou agente da CIA”.
Soube-se também que várias figuras que participam de agrupamentos de cunho neoliberal, como Fábio Osterman, coordenador do Movimento Brasil Livre, são ligados a um think-tank (um centro de pensamento e elaboração estratégica) chamado Atlas Network.iii As revelações que surgem sobre as conexões internacionais desses “movimentos” têm levado a muitas perguntas e especulações.
Essas breves notas, divididas em três partes, visam refletir sobre algumas dessas perguntas.
As teses governistas
Em primeiro lugar, é preciso limpar o terreno mostrando como uma versão muito difundida por setores das hostes governistas carece de credibilidade. Em artigo publicado em novembro de 2014 e muito compartilhado nos últimos meses, o jornalista e engenheiro estadounidense F. William Engdall defende a idéia de que estaria em curso um programa americano de desestabilização contra a presidente Dilma Rousseff. Mesclando informações verdadeiras com especulações estapafúrdias, o autor defende que o motivo para a ação da CIA seria o enfrentamento que o governo brasileiro estaria promovendo contra os grandes interesses estrangeiros, notadamente norte-americanos, seja pela entrada do Brasil em iniciativas como o Banco dos Brics, seja na defesa da Petrobrás no mercado internacional.
Engdall não apenas exagera enormemente o grau de contrariedade que alguns projetos do governo brasileiro estariam gerando, como coloca entre os motivos para a atuação dos EUA para derrubar Dilma programas como o Bolsa Família – como se programas de gotejamento social aliadas à perda de direitos universais não fossem recomendações do próprio Banco Mundial!
O artigo chegava a sugerir que o Movimento Passe Livre (MPL), que liderou as primeiras manifestações de junho de 2013 em São Paulo, seria parte desse movimento coordenado por agências norte-americanas de inteligência para destruir os governos “inimigos do Império”. Na mesma linha, diversos outros defensores dos governos petistas compararam o cenário de 2014 com aquele de 50 anos atrás.
É verdade que não é necessário haver uma ameaça revolucionária real para o patrocínio de golpes no Brasil, e disso 1964 é exemplo cabal. Mas Dilma não é Jango, a não ser como pastiche, e um bem desbotado. Nos anos 1960 havia uma conjuntura histórica que possibilitava que determinadas contradições do próprio regime político abrissem caminhos reais para a concretização de propostas reformistas – algo que no Brasil, país de formação capitalista tardia e marcada por transições pactuadas, era de um ineditismo que amedrontava as “Reginas Duartes” da época. (Voltaremos a essa questão na parte 2 deste artigo).
Na atual conjuntura, no entanto, o capitalismo não abre espaço para reformas, nem para a expansão de direitos sociais universais, restando aos setores oriundos da esquerda que pretendem administrar um governo capitalista a defesa, no dizer de um historiador trotskista, de um “reformismo quase sem reformas”.iv Visões como a de Engdall, em suma, só servem para mistificar o caráter da ação da oposição de direita ao governo, já que partem de um engano grosseiro do que é o próprio governo.
A extrema-direita e o conspiracionismo
Por seu turno, a crença em teorias conspiratórias é um traço constitutivo dessa nova (velha?) direita. Não é de hoje que o conspiracionismo é uma ideologia tipicamente da direita, já que, por excelência, nega ou obscurece o conflito social. A política, nesse pensamento, é apresentada como mera manipulação orquestrada por “forças subterrâneas” de “subversivos”, “comunistas”, “terroristas” etc.
De acordo com levantamento feito pelos professores Pablo Ortellado, da USP, e Esther Solano, da Unifesp, pelo menos metade dos participantes do protesto do dia 12 de abril disse acreditar em teorias conspiratórias e se informar por correntes de whatsapp e grupos de facebook, nutrindo por esses meios um alto grau de confiança. Nesses espaços, se difunde que “o PCC é o braço armado do PT”, que “o filho de Lula é dono da Friboi”, e, a pérola das pérolas, que “o Foro de São Paulo está implantando uma ditadura comunista-bolivariana-castrista no Brasil”.
A obsessão oficial de todos esses grupos pelo Foro de São Paulo, um heterogêneo e oficialesco encontro de partidos da base dos governos considerados progressistas na América Latina – com influência nula sobre os movimentos sociais mais ativos no Brasil – além revelar seus fortes traços paranóicos, remete novamente às conexões transnacionais da nova direita, já que encontramos o alarmismo perante o Foro de São Paulo presente na extrema-direita dos EUA.
Foi aí, no coração do capitalismo internacional, que viveu-se uma forte renovação da militância direitista ao longo dos anos 1970, a qual culminou com a votação acachapante de 1980 em Ronald Reagan. A união entre a direita cristã e a direita neoliberal, que teve seu crescimento impulsionado pelos efeitos de uma crise econômica (alta da inflação, desemprego) seria fatal não apenas para o projeto de reeleição do democrata Jimmy Carter: marcaria o surgimento de uma nova forma de política pela direita, lançando um paradigma internacional para a mesma.
O conspiracionismo marca profundamente essa nova direita nos EUA, visceralmente nacionalista. As idéias conspiracionistas eram populares entre os membros de diversas entidades de extrema-direita como a John Birch Society, que, numa campanha sintomaticamente intitulada “Get US Out”, já em 1959, defendia a retirada dos EUA da ONU, “alegando que a organização [ONU] ambicionava a construção de um governo único e universal, comprometendo assim a soberania do Estado e da nação norte-americana”, nas palavras da historiadora Tatiana Poggi.v Muitas dessas teorias têm caráter fortemente anti-semita, mas o elemento consensual entre elas é mesmo o anti-comunismo e o anti-marxismo.
Entre os diversos grupos da extrema-direita internacional que denunciam o Foro de São Paulo, caracterizando-o como uma “organização terrorista internacional”, encontramos o instituto Lyndon LaRouche, que tem uma versão própria sobre o que seria o Foro; e Constantine Menges, membro do ultra-conservador Hudson Institute e ex-funcionário da administração Reagan que durante as eleições de 2002 escreveu artigos no Washington Post acusando Lula de ser terrorista.
Mas a entidade que mais concentra esforços em combater a suposta agenda oculta do Foro é mesmo o Inter-american Institute, criado em 2009 e presidido por Olavo de Carvalho, que em 2013 lançou um especial sobre o Foro. Note-se, no entanto, que essas teorias são compartilhadas tanto pelos setores mais tradicionalistas como Carvalho como pelos grupos neoliberais, como se pode ver no programa do MBL.
Na próxima parte deste artigo: a direita transnacional, ontem e hoje.
i REAGAN, Ronald. In KLAUSNER, Manuel. Inside Ronald Reagan.A Reason Interview. Julho de 1975. (http://reason.com/archives/1975/07/01/inside-ronald-reagan).
ii Seu atual empreendimento é uma consultoria especializada em comunicação que tem em sua lista de “personalidades inspiradoras” um ex-comandante do GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) de São Paulo, um ex-presidente da Coca-Cola e Otávio Mesquita.
iii O primeiro artigo a apontar isso foi http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/quem-esta-por-tras-do-protesto-no-dia-15-3213.html.
iv ARCARY, Valerio. Um reformismo quase sem reformas. Uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira. São Paulo: Editora Sundermann, 2011.
v POGGI, Tatiana. “Faces do extremo. Uma análise do neofascismo nos Estados Unidos da América, 1970-2010”. Tese de doutorado. Niterói/UFF, 2012. p.148.
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