Afinal, o que está acontecendo na Grécia?

* Texto escrito em colaboração com Ivan Martins

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A Grécia em disputa.

Temos ouvido falar muito sobre a Grécia nos últimos meses. Vários textos têm circulado pelas redes sociais e blogs. Mas o que afinal esta acontecendo por lá? Esse texto pretende auxiliar o leitor de primeira viagem no assunto a esclarecer um pouco essa pergunta.

A dívida e a União Europeia

Muitos governos, inclusive dos países desenvolvidos, vivem constantemente em déficit financeiro. Isso quer dizer que muitas vezes há uma diferença entre as receitas e o que realmente se precisa utilizar. Quando isso acontece é comum que esses países recorram a empréstimos, a Grécia é um desses países.

A Grécia compõe a União Europeia desde 1981 e a Zona do Euro a partir de 2001. Pertencer a esses grupos proporciona algumas vantagens, entre elas a facilitação de empréstimos pela UE a fim, supostamente, de diminuir a desigualdade econômica entre seus países membros. O argumento para esse esquema era simples, a UE e bancos privados emprestariam dinheiro, o país usaria o dinheiro para se desenvolver e assim teria meios de pagar a dívida.

Com a crise em 2008 esse plano “perfeito” desce pelo ralo. A dívida de muitos países tanto do setor público como privado torna-se impagável, com os títulos da dívida virando os famosos papéis podres. A Grécia ficou, assim, sob suspeita de não conseguir pagar suas dívidas, e em 2010 a suspeita se tornou confirmação.

De quem é a Divida?

A grande compra dos papéis podres. A curva superior mostra a dívida grega em 2011, enquanto a inferior mostra ela em 2012. Repare no encolhimento da dívida em mãos privadas, em vermelho, de um ano pra outro.

A grande compra dos papéis podres. A curva superior mostra a dívida grega em 2011, enquanto a inferior mostra ela em 2012. Repare no encolhimento da dívida em mãos privadas, em vermelho, de um ano pra outro.

Pra quem não lembra, na crise de 2008 os países afetados ajudaram financeiramente seus bancos e setor financeiro comprando, com trilhões de dólares, seus papéis podres. Na Grécia, a maioria da dívida estava nas mãos de bancos privados especialmente da França e Alemanha. Para evitar, portanto, que os bancos europeus sofressem pesadas perdas da crise grega, a UE através da troika entra em cena.

A troika é o grupo formado pelos Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Europeia. O que a troika faz? Ao invés de fazer investimentos na recuperação econômica da Grécia, opta por salvar os bancos, absorvendo a maior parte da dívida grega.

Os credores atuais da dívida grega. Em azul, está a troika.

Os credores atuais da dívida grega. Em azul está a troika.

Agora a Grécia deve principalmente à UE (cerca de 200 bilhões de euros, de um total de 320 bilhões). E, como o país não tem dinheiro pra fazer os pagamentos da dívida, precisa recorrer à troika para pedir novos empréstimos para continuar pagando a dívida. Ou seja, ao comprar os papéis podres gregos a UE adquire enorme poder político sobre a Grécia.

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Como pagar a dívida?

Salve os ricos, não envelheça, se finja de morto.

Como sobreviver à austeridade: Salve os ricos, não envelheça, se finja de morto.

A forma que a UE vai exercer esse poder político sobre a Grécia é através de exigência de reformas para o enfrentamento da crise, a famosa austeridade. Para receber remessas de dinheiro para pagar os prazos da divida a Grécia teve que tomar uma série de medidas.

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Demissões e cortes de salário de funcionários públicos, redução de pensões e aposentadorias, cortes de subsídios, aumento de impostos, privatizações, redução dos direitos trabalhistas, proibição de greves são alguns exemplos das medidas impostas pela UE. Como resultado a Grécia teria capacidade de pagar a divida, e só.

A bandeira do Syriza entre seus apoiadores (Lefteris Pitarakis)

A bandeira do Syriza entre seus apoiadores.

Nessas condições a economia grega encolheu e o desemprego cresceu dramaticamente. As condições de vida se tornaram muito mais difíceis para o povo grego, que respondeu à austeridade com greves gerais e manifestações. Os governos que executavam as medidas de austeridade se tornavam cada vez mais impopulares. É nesse contexto que, se originando da fusão de várias tendências da esquerda grega, surge o Syriza, partido hoje no poder.

O Syriza

O primeiro-ministro grego, Alexi Tsipras, do Syriza, discursa para dezenas de milhares em Atenas.

O primeiro-ministro grego, Alexi Tsipras, do Syriza, discursa para dezenas de milhares em Atenas, convocando para o voto contra a austeridade.

O Syriza cresceu, e se elegeu no início de 2015, defendendo um corte com as medidas de austeridade impostas pela UE. Para eles essas medidas não eram negociadas, mas impostas. Ou seja, não levavam em conta as necessidades gregas. Eram ditadas pela UE que visava apenas seus interesses econômicos. Para o partido, era necessário que se negociasse a reestruturação da divida, expandindo prazos e aliviando as medidas de austeridade, permitindo assim que a Grécia pudesse voltar a ter crescimento econômico e assim se tornando mais independente da UE.

Apesar de combater as políticas de austeridade impostas pela UE, o Syriza, diferentemente de grande parte de outras organizações da esquerda grega, não defendeu a saída do país do bloco, nem que se deixasse de adotar o euro, o chamado grexit. As razões para esse posicionamento do partido não são simples, mas se devem em parte a uma percepção de que a expressiva maioria da população é contrária ao abandono do euro, e, também, pelo receio de um agravamento da crise econômica com o retorno a uma moeda nacional, que poderia gerar uma fuga de capitais considerável, desestabilização financeira e inflação.

O que esta acontecendo hoje?

Comício pelo "Não" à austeridade

Comício pelo “Não” à austeridade.

Após meses de negociações infrutíferas com a troika, o governo do Syriza optou por não pagar uma parcela da dívida com o FMI – cerca de 1,6 bilhão de euros – e anunciou um referendo sobre os termos do último acordo com a EU. O povo deveria dizer se aceitava ou recusava as medidas de austeridade exigidas.

A UE respondeu a isto com um corte à ajuda financeira que deixou os bancos gregos praticamente sem dinheiro e retirou a proposta de acordo. Para evitar que os bancos quebrassem, o governo decretou feriado bancário e reduziu os limites de saque.

Milhares comemoram a vitória do "Não".

Milhares comemoram a vitória do “Não”.

O resultado do referendo, por sua vez, mostra que o povo grego rejeita os termos do acordo com a UE. Apesar do resultado favorável, o governo grego apresenta à UE uma proposta de acordo com termos extremamente duros para a Grécia. Além da saída do ministro da economia (Yanis Varoufakis), privatizações de portos e aeroportos, aumento de impostos e aumento na idade de aposentar foram os termos apresentado à UE em troca de que esta acenasse com a prorrogação de prazos, mais investimentos e se propusesse a renegociar a dívida.

Esse acordo, entretanto, foi rejeitado pela UE, que propôs um novo com medidas ainda mais severas do que se podia ter observado em qualquer outro, incluindo a exigência de mais 50 bilhões de euros em privatizações que deveriam ser gerenciadas diretamente pela troika. Essa proposta, formulada pelo ministro da economia alemão, foi apresentada como um duro ultimato, colocando uma única segunda possibilidade: a suspensão da Grécia da zona do euro pelo período de 5 anos. Isto é, o grexit não era mais uma opção grega, mas uma ameaça da troika.

Novos protestos com a aceitação do governo grego do novo plano da troika.

Novos protestos com a aceitação do governo grego do novo plano da troika.

Sob enorme pressão, o primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, aceitou o acordo financeiro. Ainda que sem o apoio da maioria de seu partido (Syriza), o acordo foi levado ao parlamento e aprovado com apoio dos partidos da oposição de direita e de centro.

Após cinco anos de pesada recessão, o povo grego se prepara agora para resistir nas ruas às consequências que esse acordo trará. As manifestações deste dia 15/07, em que milhares ocuparam a praça Syntagma, em Atenas, são um prenúncio do que podemos esperar.

Quer se aprofundar no assunto e saber mais? Os links abaixo podem te ajudar.

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/41027/revelar+origem+da+divida+grega+provocaria+revolucao+financeira+mundial+diz+auditora.shtml

http://www.infogrecia.net/2015/07/leia-aqui-o-acordo-de-bruxelas-anotado-por-varoufakis/

http://www.infogrecia.net/2015/07/maioria-dos-dirigentes-do-syriza-esta-contra-o-acordo/

http://www.infogrecia.net/2015/07/varoufakis-abre-o-livro-voce-ate-tem-razao-mas-vamos-esmagar-vos-a-mesma/

http://www.theguardian.com/world/datablog/2015/jun/19/the-greek-debt-what-creditors-may-stand-to-lose

http://money.cnn.com/2015/01/28/investing/greek-debt-who-has-most-to-lose/

Sobre Pollyana Labre

Graduanda em história na Universidade Federal Fluminense.
Esse post foi publicado em Economia, História, Política e marcado , , , , , , , , , . Guardar link permanente.

Uma resposta para Afinal, o que está acontecendo na Grécia?

  1. Vinicius Braga disse:

    Olá Pollyana,
    Parabéns pelo texto que apresenta de maneira concisa a situação da Grécia. Até este momento, não tinha lido nada parecido em português.
    Aproveito e recomendo acrescentar o link do post do próprio Yanis Varoufakis, onde ele apresenta alguns pontos do acordo aprovado, e faz comentários do impacto das medidas na economia e na sociedade grega.
    The Euro-Summit ‘Agreement’ on Greece – annotated by Yanis Varoufakis

    The Euro-Summit ‘Agreement’ on Greece – annotated by Yanis Varoufakis


    Espero que este link seja útil para novos artigos sobre o tema.
    Continue o bom trabalho.

Comentários