Alguns comentários sobre o “Plano Estratégico” do estado do Rio para a Educação e as “metas”

A intenção deste texto é expor e fazer alguns comentários sobre o Planejamento Estratégico da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC). Há três semanas, a Juliana Lessa mostrou a realidade da rede municipal de educação, cuja secretaria está implantando exatamente o mesmo projeto da rede estadual. 

todos pela educaçãoO discurso da educação como pilar do desenvolvimento social talvez seja um dos mais generalizados sensos comuns de nosso tempo. Poucos se oporiam à afirmação de que devem existir redes de educação pública e de qualidade. Falando assim, genericamente, parece haver um grande consenso sobre o assunto.

A polêmica emerge quando começamos a discutir o como construir uma educação pública e de qualidade. Aí o consenso desaparece.

No caso da gestão do governador Sérgio Cabral, através do secretário de Educação, o economista Wilson Risolia, buscando acabar com anos de abandono da área, com baixos salários, falta de estrutura e condições de trabalho, lançou-se o Planejamento Estratégico da SEEDUC, materializado na “Gestão Integrada da Escola” (GIDE), que por sua vez tem como eixo o “Plano de Metas”.

Apesar de ainda insuficientes, os recursos para a área da Educação vêm aumentando nos últimos anos. O grande problema começa quando percebemos como esses recursos são aplicados. E aqui não estamos a falar de “corrupção”, “malversação de dinheiro público” ou “falha administrativa”, estamos a falar de política para a área da educação.

Vivemos hoje, nas redes estadual e municipal de educação do Rio de Janeiro, a hegemonia de um projeto de educação que busca melhorar a escola pública sobretudo através da “motivação” dos profissionais da área. É extremamente elucidativo percebermos que a Educação das três esferas da União são comandadas por economistas: Aloízio Mercadante (Ministro da Educação), Cláudia Costin (Secretaria Municipal da Educação) e Wilson Risolia (Secretário Estadual da Educação). Os projetos de reestruturação do Ensino Público no Rio de Janeiro são projetos inspirados no modelo de gestão de empresas privadas; desta forma, “motivação” é tratada a partir do estabelecimento de metas e sua respectiva remuneração variável. A chamada “meritocracia”.

desenho critica meritocraciaA política de metas vem com a ideia intrínseca de que a “motivação” de professores e alunos pode ser atingida por essa “competição”. Como defende, aqui, o editorial d’O Globo (com a devida contra-argumentação do sindicato dos profissionais da educação (SEPE)) . Desta forma, estabelecem-se metas e remunera-se de acordo com as metas atingidas. Supostamente, nos dizeres da secretaria, essa seria uma política baseada no mérito. O ridículo dessa política fica mais evidente quando a SEEDUC entrega um notebook para os alunos que tiram as melhores notas nas provas de avaliação externa (o SAERJ). Não é difícil constatar que dificilmente um CDF deixa de ser CDF, assim como dificilmente alguém que não gosta de estudar e se dá mal em provas passa a ser o CDF da turma. Assim sendo, uma política de premiação para os que tiram a maior nota no SAERJ, longe de estimular o interesse dos alunos, faz somente com que uma pessoa muitas vezes saia do colégio com 2, 3, 4 notebooks. Nada mais que isso.

Este projeto para a educação pública muitas vezes é colocado como um projeto técnico, apolítico, baseado em números objetivos. Como, por exemplo, (impossível não lembrar) a “modernização” feita no Maracanã, vendida como a única possível. A discussão aí é desviada para os que defendem a “modernização/progresso” e os que defendem a “tradição/conservação/atraso”. A destruição da marquise e do interior do estádio é colocada, assim, como natural e inevitável, fruto da “análise técnica”, único caminho possível, marco de certo viés tecnocrata e autoritário que se espalha por várias áreas da administração pública.

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No caso da área da educação do estado do Rio de Janeiro este viés é estabelecido pelo “Planejamento Estratégico”, que são as linhas gerais da política do governo do estado para a educação pública. Esta política toca em sete pontos:

1) Remuneração variável.

Este quesito é o centro da política para a educação. A ideia é melhorar a remuneração dos profissionais da educação e motivá-los através de um sistema que vincula determinada bonificação salarial (que pode atingir a quantia de até 3 vencimentos básicos) a metas e “indicadores”. Desta forma, em vez de aumentar o salário base dos profissionais da educação, apela-se para uma política salarial repleta de “bônus”, “auxílio-alimentação”, “auxílio-qualificação” e “auxílio-transporte”. 

2) Formação continuada.

Este quesito, teoricamente, trata da qualificação intelectual dos profissionais da educação. Nada se comenta sobre cursos de pós-graduação, apenas uma parceria com o Consórcio CEDERJ com auxílio mensal de 300 reais para que os professores façam cursos de especialização. Estes cursos são, na prática, desenvolvimento de técnicas de aplicação do “currículo mínimo” em sala.

3) Conteúdo aplicado em sala de aula.

Aqui o ponto é o “currículo mínimo”, que são “conteúdos, competências e habilidades para nortear a prática docente” formulados pela SEEDUC.

4)  Avaliações.

A base aqui é o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ), uma “avaliação diagnóstica” baseada no currículo mínimo. Uma prova de múltipla escolha de baixíssimo nível. Este, segundo a SEEDUC, é o “termômetro” para que a Secretaria, unidade escolar e o professor conheçam melhor a realidade da rede.

5)  Seleção para funções pedagógicas.

Aqui se insere o estabelecimento de seleção por parte da SEEDUC para “funções pedagógicas estratégicas”: diretores regionais administrativos e pedagógicos e diretores escolares. Eliminou-se por completo a eleição para direção escolar; agora os interessados nos cargos devem se candidatar junto à SEEDUC para realizarem uma avaliação composta por “análise curricular, prova, entrevista/dinâmica e treinamento”. Segundo a SEEDUC, com este sistema “somente a qualificação e o talento farão a diferença”.

6) Infraestrutura.

Neste quesito basicamente promete-se a melhoria da infraestrutura das escolas até o final de 2013.

7) Bem-estar do profissional.

charge-sala lotadaSão abordados neste tópico “agilidade nas licenças médicas”, “modernização do sistema”, “programa de saúde mental, com o objetivo de possibilitar aos docentes uma atuação preventiva nas situações de conflito e tensão no ambiente escolar e melhorar o processo ensino-aprendizagem(…)”

Interessante notar que em nenhum momento é mencionado um dos fatores que mais contribuem para o estresse do professor em sala de aula: o número de alunos.

O principal lema do Planejamento Estratégico da SEEDUC é “A meta é de todos”, evidenciando o “plano de metas” como eixo da política educacional da gestão GIDECabral/Risolia. Estas metas são expostas na GIDE. GIDE é a “Gestão Integrada da Escola”, um conjunto de metas que têm o objetivo declarado de “melhorar significativamente os indicadores da Educação, tendo como referência as metas do IDEB estabelecidas pelo Ministério da Educação”. Na prática cotidiana das escolas, elas têm que guiar suas ações pelos objetivos estabelecidos pela GIDE. Cada escola tem um índice e metas a serem alcançadas ao final do ano. Essas metas são quantificadas em um número que será a referência para o recebimento do já citado bônus no final do ano letivo.

As metas das escolas estão divididas em 3 eixos: “resultados”, “condições ambientais (ambiente da qualidade na escola)” e “ensino-aprendizagem”.

Chama bastante atenção o fato de que o tópico “resultados” é dividido em dois pontos. O primeiro é “avaliação externa”, referindo-se a provas: Prova Brasil, SAERJ, Vestibulares e ENEM. Aqui vemos claramente que a visão da função da escola presente neste projeto político-educacional refere-se tão somente a resultados em provas objetivas. Desta forma, os professores são forçados (se quiserem seguir o programa do governo estadual e receber seus “bônus” no final do ano) a ter como função primeira treinar os alunos para a realização de provas. O outro ponto diz respeito à “avaliação interna”: “aprovação sem dependência”, “permanência na escola”, “alunos alfabetizados”, “adequação idade-série”. Neste caso, de forma geral, na prática, o professor e a escola são forçados, implicitamente, a evitar reprovações “na canetada”.

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Já está evidente para muitos profissionais da educação que a meritocracia não contribui para a melhora do sistema de educação pública. Entretanto, apesar dos sistemas de metas serem o centro das políticas educacionais meritocráticas, não creio que o estabelecimento de metas por si só seja algo danoso. A questão é como as metas são formuladas e que metas são estabelecidas. Definir objetivos claros para as escolas e professores e averiguá-los interna e externamente para detectar se esses objetivos foram atingidos não parece algo ruim. Pelo contrário.

Um dos problemas que constato, conversando com amigos professores nos poucos três anos em que dei aulas de história na rede estadual, é a falta de objetivos comuns claros e definidos das unidades escolares, além da pouca articulação entre os professores para a resolução dos problemas pedagógicos. Um exemplo prático: se um dos maiores problemas do colégio é o analfabetismo funcional, que atividades e procedimentos os professores farão para tentar resolver este problema? Todos priorizarão a leitura e interpretação de textos? Que projetos a escola apresentará para resolver este problema?

Toda unidade escolar deve ter objetivos claros e definidos. Um dos problemas se dá quando essas “metas” são estipuladas de fora para dentro e, na prática, do ponto de vista do professor, o resultado em provas e a não reprovação se tornam os grandes objetivos. Mede-se a qualidade de um colégio apenas pelo resultado em provas do tipo ENEM ou SAERJ?

As “metas” devem vir da própria comunidade escolar, na medida em que cada unidade tem seus interesses e seus problemas/questões. Portanto, cada escola deve construir seus procedimentos e objetivos. E, obviamente, essas metas não podem se resumir a provas. Na verdade, essas metas devem fazer parte do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Onde está o outrora famoso Projeto Político Pedagógico nesta política educacional? Não existe. Simplesmente não é citado.

Segundo a LEI de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), cada unidade escolar deve ter o seu PPP. É ali que cada escola estabelece suas metas e objetivos internos. Diminuir o analfabetismo funcional, construir uma biblioteca, estimular a prática esportiva… não é difícil pensar no que uma escola deve se debruçar. E cada escola deve pensar por si e ser cobrada interna e externamente para apresentar seu PPP e seus resultados. Esta autonomia deve ser o eixo de uma política educacional-pedagógica democrática.

Sobre Rael

Professor de História, mestre em História Social, peladeiro semanal e meio campo do Boldo Futebol Clube.
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