Efeito Datena: a grande mídia e as manifestações pelo passe livre

Texto por Zé Knust.

Esta imagem circulou Enquete do Datena.incansavelmente pelo facebook – e tenho que admitir, é a minha favorita dentre todas as imagens que circularam acerca do já histórico treze de junho de 2013. José Luiz Datena, folclórico apresentador sensacionalista da TV Bandeirantes, observa com uma impagável cara de bunda o GC na parte inferior da tela desnudar que seu esforço de informar aos seus telespectadores qual era a opção correta de sua enquete havia sido em vão. Minutos antes, outra enquete datenística perguntara se as pessoas apoiavam esse tipo de protesto. Ao ver sua opinião pró-não derrotada, Datena resolveu ser mais didático: esse tipo se referia à baderna. “Vocês apoiam a baderna, telespectadores?” pretendia perguntar a nova enquete. A derrota foi maior ainda.

Desde o 1º ato contra o aumento das passagens em São Paulo, ocorrida no dia seis de junho, a cobertura jornalística da grande impressa esteve totalmente engajada na criminalização do movimento. As notícias mencionavam a todo o momento episódios de depredação de prédios, públicos ou não (majoritariamente pixações ou quebra de vidraças). O auge desse processo de criminalização se deu entre a noite da terça-feira, 11, após o 3º ato em São Paulo, e a tarde da quinta-feira, 13, dia marcado para o 4º ato. A foto de um policial apontando uma arma a esmo tentando se proteger de agressores (sic) durante o 3º ato foi publicada em todos os sites e jornais e repercutida nos grandes telejornais. No Jornal da Globo de terça, tanto na escalada de notícias quanto no próprio jornal em si, notícias sobre os protestos foram seguidas por notícias sobre agressões à motoristas em Belo Horizonte que nada tinham a ver com as manifestações, em uma clara tentativa de confundir o telespectador. No mesmo jornal, o indignado a serviço das causas da elite brasileira, Arnaldo Jabor, fez uma grande performance televisiva. O Estado de São Paulo   e a Folha de São Paulo  chegaram às bancas na manhã daquela quinta que ainda não terminou com editoriais que pingavam sangue (e que emulavam conscientemente – é impossível achar que não – editoriais de outros dias sombrios da nossa história).

A imagem que abre esse texto capta um espetacular movimento de virada. Datena foi meramente o rosto de uma grande mídia apanhada de surpresa por uma opinião que ela não conseguia acreditar que vinha de seu público: as pessoas estavam apoiando as manifestações. Pego de calças na mão, Datena logo mudou o discurso. Afirmou que se tratava da passeata mais democrática e pacífica que ele via em anos – e chegou a defender o cancelamento do reajuste da passagem. Na concorrente TV Record, outro folclórico apresentador sensacionalista, Marcelo Rezende, mesmo sem ajuda de enquetes, já demonstrava melhor faro para as mudanças do vento da opinião pública e criticava com a voz indignada que só apresentadores do Cidade Alerta sabem fazer o início da repressão policial à manifestação – e ainda estávamos longe de presenciar as cenas que se seguiriam ao longo da noite.

O Batalhão de Choque, infelizmente, continuava tão mal informado quanto o Datena pré-enquetes. Seria simplista, e mesmo ingênuo, creditar toda a violência da PM paulista na noite do vinagre à criminalização das manifestações realizada pela grande mídia. Contudo, me parece razoável imaginar que os policiais – especialmente seus comandantes – chegaram às imediações da Avenida Paulista acreditando serem os valorosos defensores da sociedade na guerra contra os arruaceiros do Movimento Passe Livre. O que aconteceu a partir dali todos sabem.

O que nunca vamos saber é como teria sido a cobertura da mídia se não tivesse borbulhado no twitter, facebook, youtube e outras redes, imagens e relatos da covardia e do autoritarismo da Polícia paulista. Provavelmente menções às prisões arbitrárias e aos feridos teriam aparecido, até porque muitos jornalistas foram vítimas desses dois casos. Contudo, capas como a da Folha de sexta-feira, 14, seriam impensáveis se as manifestações já não contassem com um apoio popular bastante considerável, que era cada vez mais perceptível no facebook e que só aumentou com a veiculação sistemática dos abusos da repressão policial do treze de junho.

Não devemos nos enganar: a cobertura da grande mídia continua e continuará tentando deslegitimar as manifestações. Um repórter do canal Sportv (do grupo Globosat) anunciou na tarde do domingo, 16, que os manifestantes em torno do Maracanã tinham partido para cima da tropa de choque – ignorando a lógica básica de que um grupo de pessoas comuns desarmadas nunca tentaria agredir um grupo de homens treinados e fortemente armados (escudos, capacetes e protetores mil somados a cacetetes, sprays de pimenta, bombas de gás e balas de borracha). Notícias como essa vão continuar surgindo. Mas é inegável que a partir do momento que a opinião pública demonstrou consistente apoio às manifestações, a grande mídia se viu obrigada a tratá-las com tons menos negativos.

Este apoio da opinião pública, um dos aspectos mais singulares e importantes de todo esse processo, é também um dos enigmas da situação política atual. Não foram poucos os meus amigos e colegas de facebook que tradicionalmente publicam e compartilham opiniões alinhadas com o conservadorismo brasileiro que, não só apoiaram os protestos e criticaram a repressão policial, mas que também resolveram tomar parte dos protestos. Ouvi relatos similares de outros amigos, que viram pipocar em suas timelines apoios às manifestações vindos das pessoas mais inesperadas. Essa grande amplitude político-ideológica de apoios às manifestações é uma das forças do atual movimento: ao conseguir reunir tipos diversos de insatisfeitos em torno de alguns temas específicos – como a precariedade e o alto custo do transporte público e os gastos estratosféricos dos grandes eventos –, as manifestações capitaneadas pelo Movimento Passe Livre conseguiram um grau de legitimidade e apoio popular poucas vezes visto desde o movimento Fora Collor.

Foi essa força que impôs à grande mídia uma das maiores derrotas em muito tempo em disputas pela influência sobre a opinião pública. É claro que há algumas eleições presidenciais a grande mídia não tem conseguido fazer eleger seus candidatos preferidos. Mas o que aconteceu no histórico treze de junho foi ainda mais interessante: a grande mídia foi pega desprevenida em sua derrota. Enquanto Jabor achava que recebia aplausos dos seus fãs, estes estavam no facebook curtindo vídeos e textos compartilhados por amigos adeptos daquilo que ele chamou de ideologias anacrônicas do socialismo da década de 50. A única saída para grande mídia foi aquela a que Datena adotou ainda no momento da virada: demonstrar uma hipócrita simpatia pelo povo na rua, enquanto tenta reorganizar o discurso de deslegitimação dos movimentos sociais.

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12 respostas para Efeito Datena: a grande mídia e as manifestações pelo passe livre

  1. Luiz Aguiar disse:

    “ignorando a lógica básica de que um grupo de pessoas comuns desarmadas nunca tentaria agredir um grupo de homens treinados e fortemente armados (escudos, capacetes e protetores mil somados a cacetetes, sprays de pimenta, bombas de gás e balas de borracha).”

    Sim isso acontece com muita frequência, porque NUNCA fazem isso de maneira desarmada, mas sim com pedras, paus, coquetéis molotov, copos, garrafas, oq se encontra pela frente.

    NÃO ESTOU FALANDO QUE FOI ISSO QUE ACONTECEU, só estou falando que isso é algo comum já e não deve ser visto como algo fora da lógica e manipulação da mídia, temos que ser realistas em todos os aspectos, basta ver historicamente brigas com torcidas organizadas, sem tetos, sem terras, dezenas de outras manifestações… “quando aperta” as pessoas comuns dão um jeito de se defender, ou atacar, e por mais que sejam uma minoria, eles estão lá e fazem isso. Óbvio que não da pra comparar qualquer grupo com pedras, paus e garrafas, contra a tropa de choque armada, se ela atacando (como nos últimos protesto) ou se defendendo de agressores.

    []s

  2. Zé, acompanhando boa parte da cobertura da Globonews sobre as manifestações de hoje (segunda-feira), é interessante perceber que a ação da mídia de mercado parece ter chegado à sua terceira fase. Se começaram com a condenação pura e simples das manifestaões (inclusive, reivindicando pronta repressão policial), e depois passaram para uma defesa do direito de manifestação, associada à crítica da truculência policial, agora, a tônica parece ser outra: enfatizar a diferença entre as “dezenas de milhares de manifestantes pacíficos e o pequeno grupo de militantes violentos” (por vezes, também referidos como “grupo mais radical”). Assim, buscam deslegitimar a ação dos últimos, como despropositadas. Ao mesmo tempo, buscam imputar ao chamado “grupo pacífico” bandeiras que a própria mídia de mercado gostaria de ver empunhadas, com especial ênfase no combate à corrupção. Em suma, procedem pela separação entre aqueles contra os quais certa dose de repressão policial se faz necessária – e legítima – e aqueles cuja ação deve ser dirigida desde os estúdios e redações.

    • Maltus Junior disse:

      Graças a truculência excessivamente televisionada da ação policial, o movimento ganhou força e massa de manobra, onde antes era um pequeno grupo contra o aumento da passagem de ônibus , agora esta cada vez mais popular, diversificando os temas e tomando conta do país. O grande olho da mídia internarcional focado nos jogos da copa está gostando do circo armado. Onde isso tudo vai levar? A primavera brasileira? #AcordaBrasil

    • disse:

      Eu terminei meu texto me perguntando exatamente o que aconteceria a partir dali. Acho sua análise bem precisa, tem muita chance desse movimento que vc identifica se consolidar nos próximos dias mesmo.

  3. Gabriel Moura disse:

    Zé,o paizão da mulekada.
    Muito bom o texto.
    Orgulho desse menino!

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  5. Tarcísio disse:

    Parece que a estratégia da Mídia funcionou. Incentivaram a classe média conservadora à ir pras ruas. Agora eles expulsam partidos de esquerda das mesmas. Viraram protestos da burguesia.

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